ARTIGOS

Publicado em 28 de Abril de 2016 09:25

A criatividade nasce da diversidade

Expirado
 
Entrevista com Ken Robinson. 
 
Para o consultor inglês especializado em educação e inovação, as escolas travam a imaginação dos alunos ao apostar em currículos segmentados e em exames que buscam respostas únicas para as questões.
 
Formado em arte dramática pela Universidade de Leeds, o inglês Ken Robinson, de 66 anos, é uma autêntica celebridade — mas não do cinema, do teatro ou da televisão. O palco em que atua é outro. Há poucos consultores no mundo nas áreas de educação, inovação e criatividade tão populares, e sobretudo respeitados, quanto ele. Seu primeiro vídeo gravado para o TED, em 2006, é o mais acessado da história do site especializado em conferências — contabiliza 38 milhões de visualizações. No fim da década de 90, Robinson liderou, a pedido do governo da Inglaterra, uma comissão destinada a refletir sobre os rumos do ensino no país. O relatório que produziu, conhecido como The Robinson Report, ajudou a direcionar políticas educacionais formais e informais e também a repensar o currículo nacional britânico. Antes disso, trinta anos atrás, ele já havia sido contratado pelas autoridades de Singapura para implementar o plano que visava a transformar o país em um dos poios criativos da Ásia. Sir Ken Robinson, de Londres, deu a VEJA a seguinte entrevista.
 
 
O senhor costuma afirmar que a escola mata a criatividade. Por quê?
 
Não penso que ela sempre tenha essa consequência, mas o sistema educacional não foi desenhado para encorajar a criatividade. O currículo é muito limitado e segmentado. A criatividade é o processo de ter ideias originais, e, se por acaso o assunto pelo qual uma pessoa se interessar não fizer parte do currículo, então sua habilidade será negligenciada. Esse é o primeiro ponto. O segundo é que os métodos de ensino podem inibir a criatividade, como no caso de um professor que esteja sempre à procura de uma única resposta correta ou que não tenha métodos que estimulem os alunos a desenvolver a imaginação. O terceiro ponto são as provas, que, repito, têm sempre uma única resposta correta, e o aluno é punido com uma baixa pontuação se não acertá-la. Os professores precisam mudar suas estratégias de ensino e torná-las mais flexíveis.
 
 
O que são "estratégias de ensino mais flexíveis"?
 
Gosto muito do exemplo da High Tech High, uma rede de escolas perto de San Diego, na Califórnia, criada, em 2000, com a proposta de integrar o ensino técnico ao acadêmico. A High Tech High formula seu currículo baseada em projetos. Os professores definem o que querem ensinar e os alunos preparam trabalhos, textos e até documentários sobre o tema determinado. Arte e biologia são abordadas em um mesmo projeto, assim como matemática e humanas. Não há sinal de intervalo nem troca de sala e os alunos não precisam pedir ao professor para ir ao banheiro. Dos cerca de 5000 estudantes, quase todos escolhem cursar universidade e 70% optam por cursos de quatro anos ou mais. Esse tipo de ensino estimula as habilidades tanto dos alunos quanto dos professores. 
 
 
Os professores são mais determinantes que os pais quando se trata de estimular as habilidades de jovens e crianças? 
 
Os dois são igualmente decisivos. Os pais têm a possibilidade de conhecer os filhos profundamente, de um jeito como os professores jamais os conhecerão. Às vezes, no entanto, os professores podem ser mais objetivos. Eles veem possibilidades e qualidades na criança que os outros não notam. Escrevi um livro sobre a forma de identificar habilidades, chamado O Elemento, e, na ocasião, fiz uma série de entrevistas. Grande parte das pessoas com quem conversei me disse que foram professores os responsáveis por assinalar suas aptidões.
 
Muitas crianças com dificuldade para fixar o raciocínio em sala de aula são diagnosticadas com transtorno do déficit de atenção. É um sintoma de que apostamos em um modelo de educação ultrapassado?
 
Eu vivia entediado na escola. Muitas das pessoas interessantes que conheço se sentiam entediadas também. Não sou perito nessa área, mas sei que há uma discordância entre especialistas sobre o que realmente é o transtorno do déficit
de atenção e sobre sua ocorrência entre crianças. Alguns acreditam que não é um transtorno físico ou psicológico, mas um transtorno do ambiente. Há quem diga que existe uma base neurológica para o diagnóstico, enquanto outros defendem a tese de que são as circunstâncias que contam. O que me sinto confortável para afirmar é que muitas pessoas estão sendo diagnosticadas com uma deficiência que não têm. Elas estão apenas entediadas.
 
 
Uma pesquisa da qual o senhor participou, cujos resultados foram revelados recentemente, apontou um dado incômodo: as crianças brasileiras brincam menos de duas horas por dia fora de casa. Quais as implicações desse estilo de vida?
 
Essa pesquisa chama-se Valor do Brincar, foi feita pela marca Omo e ouviu 12 000 pais em dez nações, entre fevereiro e março deste ano. O levantamento no Brasil traz uma comparação dramática: duas horas é o mesmo período disponível para o banho de sol de um preso. Quarenta por cento das crianças brasileiras brincam menos de uma hora por dia ao ar livre e 6% praticamente não brincam fora de casa. Os pais brasileiros se preocupam com isso: segundo o estudo, 94% acreditam que, sem oportunidades para a criança brincar, o aprendizado infantil pode ser impactado. Estão certos. Brincar é uma parte importante do desenvolvimento infantil, não é tempo desperdiçado. É com brincadeiras que as crianças aprendem a sociabilizar-se, conhecem as regras da cooperação e da competição, recebem estímulos à imaginação. Essas capacidades são ainda mais importantes quando viramos adultos. São características das quais nossas economias dependem hoje em dia.
 
 
Podemos culpar a tecnologia por esse quadro ruim?
 
Não quero criticar os computadores ou videogames. Esses jogos também têm seus benefícios. Entretanto, há claramente um desequilíbrio. No estudo que fizemos no Brasil, 90% dos pais disseram que seus filhos prefeririam jogar um esporte virtualmente a praticá-lo na vida real. Há algumas razões para isso, entre elas a segurança e a falta de espaço. Os pais podem melhorar um pouco essa situação. O estímulo físico e social que a brincadeira cara a cara oferece não deve ser negligenciado.
 
 
Que conselho o senhor deu às autoridades de Singapura na época em que trabalhou lá num projeto de estímulo à criatividade? 
 
Isso foi há cerca de trinta anos, quando os governantes estavam determinados a mudar sua direção econômica e cultural. Durante muito tempo, Singapura foi conhecida pela manufatura de produtos baratos. Os políticos sacaram que, como não tinham recursos naturais para produzir nada em seu território, estavam vulneráveis economicamente. A saída: já que não havia recursos naturais, precisavam apostar nos recursos humanos. Eles queriam virar um polo criativo, como Hong Kong. A proposta era desenvolver sistematicamente uma cultura na qual a inovação e a criatividade fossem promovidas e encorajadas por meio da educação e das estratégias econômicas.Funcionou.
 
 
Como um Estado conservador como Singapura, que condena o sexo antes do casamento e nega direitos aos homossexuais, pôde virar referência em inovação e criatividade?
Há uma tensão contínua em Singapura a esse respeito. No entanto, o governo vem afrouxando algumas regras de tempos em tempos. Esse foi um dos aspectos que abordei quando estive trabalhando lá. Há uma sociologia da criatividade, e precisamos entender por que algumas cidades conseguem se destacar mais do que outras. Lugares que se tornaram polos criativos encorajaram o dinamismo. A criatividade vem da diversidade, não da homogeneidade. Se as pessoas se comportam da mesma maneira, pensam da mesma maneira, não há espaço para a inovação. Uma das questões que levantei naquela época foi a forma de atrair pessoas para lá. Por que alguém deixaria São Francisco ou Paris para estar em Singapura se as condições fossem hostis?
 
 
Quais lugares estão, hoje, no caminho da prosperidade e da inovação?
 
Singapura, Hong Kong e Coreia do Sul trilham esse caminho há mais tempo. Recentemente, Finlândia e China passaram a afastar suas culturas educacionais da homogeneização e dos testes e começaram a encorajar a inovação e o pensamento criativo.
 
 
Há vários países asiáticos na sua lista. Existe alguma característica cultural que os torne mais propensos à inovação?
 
Não gosto de generalizar, mas a cultura do trabalho é uma característica que une aquelas nações tão distintas. É verdade que muitas vezes ela resulta em uma pressão excessiva sobre as crianças para que sejam competitivas e bem-sucedidas. Na China, contudo, as mudanças estão acontecendo em todas as direções, inclusive na mentalidade dos pais.
 
 
O senhor se formou em dramaturgia e produziu a palestra mais vista da história do site de conferências TED. O teatro o ajudou?
 
Tenho certeza de que sim. Não atuei na área por muito tempo, apenas dirigi algumas peças. Falar em público é estabelecer uma relação com a audiência e ter a possibilidade de improvisar. Boa parte do que disse naquela ocasião foi improvisada. É mais ou menos como o jazz.
 
 
Como o senhor estimulou a criatividade de seus filhos?
 
Nas palestras que dou, costumo perguntar quem, na plateia, tem mais de um filho. E, então, faço uma aposta que nunca perco: se alguém tem mais de um filho, tenho certeza de que são totalmente diferentes um do outro. Enquanto meus filhos, Kate e James, cresciam — hoje eles têm, respectivamente, 26 e 31 anos —, eu e minha mulher chegamos à conclusão de que eles se beneficiariam se ambos estudassem na mesma escola, mas achamos que mudar de instituição de tempos em tempos daria aos dois oportunidades diferentes de aprendizagem. Fazíamos essa troca sempre que notávamos que o sistema de ensino não estava funcionando mais tão bem.Tentamos também customizar a experiência de educação deles de acordo com as aptidões de cada um. Os pais precisam ficar atentos aos interesses naturais de seus filhos.
 
 
E como se estimula a criatividade?
 
Champanhe sempre funciona comigo! Brincadeiras à parte, há duas outras coisas que me ajudam: trabalhar em grupo e escrever. O trabalho em grupo me enche de energia. A escrita é uma atividade mais solitária. Eu não escrevo ficção, não tenho habilidade para isso. Escrevo para organizar minhas ideias. Se não me sentar para escrever, dificilmente as ideias aparecerão. A criatividade não é um processo aleatório, precisa de disciplina.
 
 
Matéria de Fernanda Allegretti
Fonte: Revista Veja

Mais recentes

VER MAIS RESULTADOS