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Publicado em 11 de Maio de 2015 10:56

Um futuro que pode não ser brilhante

Expirado

De início, parece ser um cenário desconcertante e você poderia até se perguntar se algo assim é mesmo possível: uma produção que está em seu potencial, mas ainda assim não é sustentável. Um dos capítulos do novo Panorama Econômico Mundial, do Fundo Monetário Internacional (FMI), no entanto, destaca justamente esse cenário. Podemos estar até vivendo nele.

A produção "está em seu potencial" quando não gera pressões inflacionárias ou deflacionárias. A sustentabilidade é algo inteiramente diferente e me refiro aqui à sustentabilidade financeira, não à do tipo ambiental. A produção é financeiramente sustentável quando os padrões de gastos e a distribuição da renda se dão de tal forma que os frutos da atividade econômica podem ser absorvidos sem criar desequilíbrios perigosos no sistema financeiro. É insustentável quando, para gerar demanda suficiente para absorver a produção da economia, precisa ter demasiadas captações ou taxas de juros bem abaixo de zero ou ambas.

Para ver como uma situação tão complicada como essas pode surgir, comece por imaginar uma economia em situação equilibrada, no sentido de que o volume de dinheiro que consumidores e empresas desejam poupar é exatamente o mesmo volume de dinheiro que desejam gastar em investimentos físicos. Até aí, tudo bem. Mas suponha que o crescimento da produção potencial, então, caia de forma acentuada. O nível de investimento desejado também cairia, porque o estoque de capital necessário seria menor. Mas o volume que as pessoas desejam poupar pode não cair ou não cair muito; na realidade, se as pessoas acharem que vão estar mais pobres no futuro, podem até querer poupar ainda mais. Nesse caso, as taxas de juros reais podem precisar cair acentuadamente para recuperar o equilíbrio entre investimento e poupança.

O crescimento potencial mais baixo também pode significar crescimento menos sustentável. Assim podemos concluir que a economia mundial está caracterizada por investimentos baixos, taxas de juros nominais e reais baixas, bolhas de crédito e dívidas ingovernáveis.

Essa queda nas taxas de juros reais pode também desencadear altas nos preços dos ativos de longo prazo e uma elevação correlacionada no crédito. Essas consequências ofereceriam uma cura temporária para o declínio na demanda. Mas se a onda de alta do crédito se exaurisse posteriormente, deixando os captadores às voltas para refinanciar suas dívidas, a demanda então operaria sob um fardo duplo. O impacto de médio prazo do excesso de dívida e um setor financeiro avesso ao risco agravariam as consequências de longo prazo do crescimento potencial mais fraco.

O Panorama Econômico Mundial esclarece um importante aspecto dessa história. A produção potencial, argumenta o informe, está de fato crescendo mais lentamente do que antes. Nos países avançados, o declínio começou no início dos anos 2000; nos países emergentes, depois de 2009.

Antes da crise, a causa principal da desaceleração nas economias avançadas era o declínio no crescimento da "produtividade total dos fatores" indicador da produção gerada por certo volume de capital e de trabalho. Uma explicação é a dissolução do impacto econômico benéfico da internet. Outra é o declínio no ritmo de avanço da capacitação humana. Depois da crise, o crescimento potencial caiu ainda mais, em parte pelo colapso dos investimentos. O envelhecimento da população também teve impacto importante.

Nos países emergentes, da mesma forma, fatores demográficos estão em funcionamento: a desaceleração do crescimento da população em idade de trabalho é particularmente drástica na China. O crescimento do capital também está em queda, depois da imensa onda de investimentos vista na década de 2000, de novo especialmente na China. O crescimento na produtividade total dos fatores também poderia diminuir em um prazo mais longo, à medida que o ritmo de equiparação em relação às economias avançadas se desacelere.

Esse declínio no crescimento potencial conduz diretamente ao debate sobre o excesso de poupança e a estagnação secular. Há duas importantes distinções: uma, entre o local e o mundial, e outra, entre o temporário e o permanente. A desaceleração mundial do crescimento potencial coloca ambas em evidência.

Ben Bernanke, ex-presidente do Fed argumenta corretamente que as taxas de juros ultrabaixas não deveriam ser determinadas puramente por condições locais. Em uma economia em que a poupança desejada excede o investimento desejado, deveria ser possível exportar o excesso de poupança via superávit na conta corrente. É o que a Alemanha vem fazendo.

Há dificuldades, contudo. Primeira. Como o prêmio Nobel Paul Krugman destaca, a taxa de câmbio real pode simplesmente não desvalorizar-se o suficiente. Nesse caso, a economia poderia sofrer, em vez disso, uma estagnação permanente. Segunda, o resto do mundo pode ser incapaz de ter déficits que sirvam de contrabalanço, de forma sustentável. Foi o que aconteceu no período prévio a 2007. Os déficits nos Estados Unidos, Espanha e vários outros países que serviram de contrabalanço para os superávits na China, exportadores de petróleo, Alemanha e outras economias de alta renda acabaram se revelando assustadoramente insustentáveis.

Agora, pense na distinção não menos fundamental entre excessos temporários e permanentes na poupança desejada em relação ao investimento. A principal diferença entre Bernanke e Lawrence Summers, ex-secretário do Tesouro, refere-se precisamente a isso.

Bernanke sinaliza que as condições que resultam em taxas de juros ultrabaixas são temporárias. Os exemplos óbvios são os superávits dos exportadores de petróleo, que agora se evaporaram. Da mesma forma, os superávits em conta corrente da China, em grande parte, sumiram. A depressão induzida pela crise também deverá ser temporária.

Contra isso, Summers sinaliza que pelo menos algumas das condições eram anteriores à crise e deverão ser duradouras. Entre elas, está o baixo investimento do setor privado nas economias de alta renda.

O argumento do FMI sobre a desaceleração do crescimento potencial respalda Summers. O crescimento potencialmais baixo, então, também poderia significar menos crescimento sustentável. Se for esse o caso, podemos concluir que economia mundial está caracterizada por investimentos baixos, taxas de juros nominais e reais baixas, bolhas de crédito e dívidas ingovernáveis no longo prazo.

Um futuro decepcionante como esse não é inevitável. Mas não podemos presumir que vamos ter um mais brilhante. São necessárias reformas nacionais, regionais e mundiais para acelerar o crescimento potencial e reduzir a instabilidade. Que forma elas poderiam tomar é assunto para outro dia. Martin Wolf é editor e principal analista econômico do FT.

 

Por Martin Wolf

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