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Publicado em 15 de Abril de 2015 10:54

Medo de retaliação dificulta denúncias

Expirado

A maioria das empresas possui políticas e ferramentas para incentivar o comportamento ético no ambiente de trabalho, como canais de denúncias e códigos de ética. Seus funcionários, porém, dizem testemunhar no dia a dia diversas práticas consideradas inadequadas ­ muitas vezes, elas até fazem parte da estratégia da companhia para obter lucros. Ainda assim, eles não se sentem seguros a reportar ou questionar essas situações.

A conclusão apareceu em um levantamento inédito do Centro de Pesquisa, Desenvolvimento e Educação Continuada (CPDEC), em parceria com o Núcleo de Economia Industrial e Tecnologia da Unicamp. A pesquisa, realizada em março deste ano, entrevistou mais de 800 profissionais, a maioria em cargos de gerência e direção, de empresas públicas, privadas ou de capital misto e que atuam em diversos segmentos.

Os entrevistados revelaram presenciar condutas consideradas antiéticas com  certa regularidade. É comum, por exemplo, a manipulação de dados para  mascarar resultados internamente, como em relatórios ­ 69% dizem presenciar  esse comportamento com frequência e 21%, às vezes.

O comportamento tendencioso ou baseado em interesses pessoais em  processos de seleção, promoção ou demissão é identificado por 55% dos  profissionais, e 85% veem discriminação com base em gênero, raça, idade ou  classe social nas mesmas situações. Metade dos respondentes afirma que, às  vezes, a empresa mente para o público geral, clientes ou fornecedores. Um  índice parecido revelou que suas empresas já fizeram contribuições impróprias  para outras organizações ou agentes do governo pelo menos em algumas situações.

A grande maioria dos entrevistados (90%) diz que não reportaria condutas antiéticas por medo de retaliação, receio de que sua denúncia não seria mantida anônima e crença de que nenhuma ação corretiva seria tomada. "Não existe dentro das organizações um ambiente que favoreça os funcionários na hora de denunciar esse tipo de conduta", diz Rodnei Domingues, diretor do CPDEC e coordenador da pesquisa.

As situações identificadas pelos entrevistados como antiéticas variam desde o pagamento de propina até mecanismos para obtenção de lucros às custas de clientes ou fornecedores. Alguns exemplos comuns surgem em empresas que prestam serviços a condomínios e pagam propina a síndicos, bancos que estabelecem cobranças adicionais sem o conhecimento de clientes e companhias de telecomunicação que vendem velocidade de internet mais alta do que a entregue ao cliente. "Nesses casos, os funcionários dizem não concordar com as práticas, mas fazem mesmo assim, pois são ordens que vêm de cima", diz Domingues.

Os entrevistados também já observaram comportamentos antiéticos vindos de clientes (34%), órgãos públicos (46%), prestadores de serviço (35%) e fornecedores (42%). "Muitos profissionais de organizações de médio porte percebem uso de poder por companhias maiores como parte da estratégia do negócio", ressalta o diretor.

Para ele, é insuficiente criar mecanismos que permitam denúncias se não houver uma mudança cultural que incentive os funcionários a usá-­los. "Não adianta os altos executivos adotarem um discurso ético se depois a organização cria estratégias para enganar o cliente", diz.

Em sua opinião, as consequências de uma conduta imprópria irão surgir mais cedo ou mais tarde ­ como mostram as denúncias recentes de empresas envolvidas em cartéis e pagamento de propina. "Com o avanço da tecnologia e a possibilidade maior de circulação de informação, vai ser cada vez mais difícil sair ileso dessas situações", afirma.

 

Por Letícia Arcoverde, do site Valor Econômico

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