ARTIGOS

Publicado em 16 de Outubro de 2013 11:23

O tempo de um cafezinho

Publicado por Valdeblan Siqueira Expirado

Há quem ache pouco o tempo de um cafezinho. Minha recente experiência diz exatamente o contrário. É tempo suficiente para resolver os problemas da sociedade brasileira. E dos mais graves, inclusive a atual crise que resultou na volatilização do mercado financeiro internacional. Tudo num piscar de olhos, entre um gole e outro, de café. Alguma dúvida? Num centro comercial, pude contar com a generosidade e a educação formal de dois senhores, que cederam espaço à minha aproximação do balcão de atendimento. “Um expresso, por favor?“ Enquanto isso, posicionados a uma distância mínima, ouvi a primeira queixa deles, contra a desastrada tática do técnico de uma equipe de futebol, no empate da véspera. Não era meu time, mas senti a dor daquele diagnóstico e, por um momento, lamentei que não fossem eles os técnicos da equipe pernambucana. Tanta expertise garantiria sua vitória.

“Poderia dar-me um pãozinho- de-queijo?“ De preferência, com sabor de política, a favor de Gabeira, inteligência brilhante, no Rio de Janeiro, e contra Marta Suplicy, em São Paulo, indigestão para o PT. Danação esse neto de Tancredo, dizia um deles. Ambicioso demais. Parece coisa de DNA. Não merece ganhar a Prefeitura de Belo Horizonte. Cá entre nós, dizia o outro, num cochicho para muitos, não existe ética na política. Uma verdadeira esculhambação. Mordi a língua no questionamento que fizeram da qualidade da cidadania e de seu papel, na construção de um Estado democrático de Direito. Como perder a linha de raciocínio daquele tratado de ciência política? Que esfrie um pouco o café. Não importa. Afinal, não é todo dia que se pode escutar, gratuita e espontaneamente, raciocínio tão diáfano, sobre a má aplicação dessa herança grega, que é a política.

“Adoçante, por favor?“ Não é para o paladar. É para a audição. Afinal, o tema agora tem mais concretude. Coisa feia! Dirá você. Ouvido colado na conversa dos outros! Naquele tom de voz, não seria essa a intenção? Impressionar a audiência com aquelas pérolas de saber? Pelo sim, pelo não, ainda que indiretamente, o tema despertava meu interesse: a constatação da incongruência de uma legislação e do próprio sistema tributário, absolutamente inconseqüente em suas exigências. Por derivação e não sei por quais caminhos, chegaram ao tema da ética. A princípio, um susto: tratariam da ética dos servidores da administração tributária? Quem sabe alguma novidade para minhas pesquisas. Que pena! Não era. Tratava-se agora da ética dos Ministros do Supremo. Com riqueza de detalhes e de nomes. Chegava-se à conclusão de que ali, nem sempre a ética caminhava ao lado da eficiência e da competência. Para eles, um verdadeiro saco de gatos. Um ministro, arrogante. Outro, dogmático. Eros, não passaria de zero Grau. Até que tem bom raciocínio jurídico, no entanto...

“Minha conta, por favor?“ Que pena sair e deixar para trás um paradigma de perfeição quase perdida. Que delícia: tomar cafezinho ao lado de uma fonte cada vez mais rara de sabedoria. Treinavam para o Faustão: "exalando enxofre em 30 segundos". Incrível oportunidade para contestar a equivocada distinção dos gregos, entre doxa (opinião) e episteme (conhecimento). O tom peremptório convertia opinião não contrastada, em verdade, inconteste. Dogmáticos e arrogantes são os outros, não os protagonistas desta crônica. Imaginem! Alto desempenho sofístico. Quanto à ética? Bem. Fico com a ética profissional da simpática atendente, cuja prudência no falar é digna de referência. Muito obrigada e volte sempre! Dizia ela. Eu que lhe agradeço. Pensei. Nunca ouviu falar de deontologia ou de virtudes morais, mas exibia algumas, como discrição e simplicidade, que garantiam seu emprego. E minha admiração.

Publicado em 04.11.2008

» Valdeblan Siqueira é auditor fiscal de tributos da Secretaria da Fazenda do Estado de Pernambuco

Data de inclusão: 05/11/2008

Mais recentes

VER MAIS RESULTADOS